Tendo nascido na Amadora no ano de 1982 sob o nome de Valium, alteraram o nome para Casablanca em 1988 e gravaram o seu primeiro álbum, "Tanto", em 1990, edição de autor. Mantivemos uma conversa com os irmãos Figueira (João, José e Jorge), sobre esta mítica banda do heavy metal nacional.
P. - Falem-nos um pouco dos vossos
inícios na música, como surgiu a ideia de formar uma banda? Contem-nos um pouco
da vossa história.
João - Era normal ouvirmos música em
casa. Um amigo deu-nos a conhecer bandas como os Deep Purple (“Made in Japan”),
Black Sabbath (“Vol 4”), Sweet (“Fox On The Run”), Suzi Quatro (“48 Crash”,
“Can The Can”), Nazareth (“Hair Of The Dog”), entre outras. Ele também tinha
comprado uma guitarra acústica que de vez em quando nos emprestava: fomos
aprendendo a tocar, até que, um dia, a nossa mãe decidiu comprar uma para nós e
um pequeno livro de músicas e acordes. A minha área era mais aprender acordes
para descobrir novos sons e dedilhados; o Jorge era mais para a área dos solos
e o Zé ficou no baixo. Começou a ideia de formar uma banda, mas faltava
baterista e vocalista.
P. - Quais as principais
dificuldades com que se deparavam nessa altura em que formaram os Valium?
P. - E quais as vossas principais
influências e grupos favoritos no início da banda?
João - As que já foram referidas
anteriormente e outras que fomos descobrindo: Van Halen, Iron Maiden, Sex
Pistols, Ramones, Motorhead, AC/DC, Manowar, Whitesnake, Metallica, Anthrax,
Pantera, Accept, entre outras.
P. - Começaram logo como banda de
originais, ou no início concentravam-se mais em versões?
José - Começámos como banda de
originais.
P. - Em 1984, deu-se o primeiro
festival de heavy metal em Portugal, que contou com a vossa participação, era a
confirmação de um estilo de música que procurava impor-se?
João – O heavy metal já existia, mas
era um pouco obscuro. Apenas as chamadas “Rádios Piratas” tinham programas
específicos com este género de música. Começaram a surgir grupos que
desenvolviam a divulgação através de fanzines e gravações de algumas bandas.
Jorge
– Esse primeiro festival foi, justamente, a sequência lógica.
P. - Como caracterizam de uma forma
geral, os primeiros passos do heavy metal em Portugal?
João - Ingénuo no bom sentido: havia um
bom espírito de apreciar o que era feito pelas bandas, sendo as sessões no Rock
Rendez Vous um exemplo.
Jorge
– Até ao momento em que essa ingenuidade desapareceu. Algumas pessoas começaram
a achar que não havia espaço para tantas bandas e fanzines. Surgiram os jogos
de bastidores. A “concorrência” saudável deu lugar à falsidade.
P. - Que memórias guardam do Metal
Stage, no Cine Plaza na Amadora, com Cruise, Valium, Satan´s Saints e STS
Paranoid?
João - Foi uma enchente: soube depois
que alguns dos que lá estiveram tinham vindo de longe para o evento. Os cafés à
volta estavam apinhados e circulava-se com dificuldade nas ruas. Nessa altura
já estávamos mais habituados ao palco, o que levou a uma boa atuação.
P. - Como se deu a passagem de
Valium para Casablanca, sentiram que era o início de um novo ciclo? Uma vez que
houve uma alteração tanto a nível de som como de imagem?
João - Já tínhamos gravado algumas
maquetes. Apareceu a hipótese de gravar algumas com o Manuel Cardoso, fundador
dos Tantra e Samurai. Ele gostou do que ouviu, mas achou que o nome Valium era
um “downer” e seria melhor alterarmos o nome. Nesta altura também estávamos a
mudar o estilo.
Jorge
- Sempre estivemos atentos ao que se estava a passar em termos musicais fora de
Portugal, ao contrário de muitas bandas que se limitavam a ficar “agarradas”
aos mesmos clássicos do metal e a copiar as suas “malhas”.
P. - Vocês chegaram a lotar algumas
vezes o RRV, com os vossos espectáculos, deixa-vos saudades esta mítica sala?
João – Claro, uma vez que fomos
recordistas de bilheteira na primeira vez que lá aparecemos: foi muito bom.
José - A sala tinha condições para a
realização de espetáculos, não só na vertente do heavy metal mas também em
outros estilos musicais.
Jorge
- Pois, mas só enchia com as “festas” e concertos de heavy metal…
P. - Em 1990 eis que chega o vosso primeiro LP, Tanto, ficaram satisfeitos com o resultado final? Sentiram dificuldades com a distribuição?
P. - Em 1990 eis que chega o vosso primeiro LP, Tanto, ficaram satisfeitos com o resultado final? Sentiram dificuldades com a distribuição?
João - As maquetes que gravámos
inicialmente tinham melhor som do que aquele que aparece no álbum: este está
muito “limpo”. Como foi Edição de Autor, houve naturalmente dificuldades em
distribui-lo. Ainda assim, conseguimos algumas vendas.
Jorge
– Gravar qualquer coisa num estúdio profissional, naquela altura, não era
propriamente barato. Muito menos no “Angel Studio”. Hoje em dia até se grava em
casa…
P. - Depois de tantos anos como
vocalista tanto dos Valium como Casablanca, o que levou o Paulo Silva a
abandonar o projecto?
João - Não sei ao certo, mas na altura
havia alguma tensão na banda por causa das namoradas. Também o facto de pensar
em casar talvez tenha contribuído para o seu afastamento.
Jorge
- Fama, egos, álcool, namoradas… enfim, clássicos da vida de um jovem músico.
P. - Sentiram dificuldade em
encontrar um vocalista para gravar o single "Do Que Passou, Nada
Ficou"?
João - Sim. Houve um período longo até
descobrirmos alguém.
Jorge
- O grau de exigência não era propriamente baixo.
P. - Nesta altura houve também alterações
na bateria, uma vez que regressou o Rui Pereira, como se deu este regresso,
apesar de breve?
João - O Rui apareceu por acaso e,
talvez por nostalgia, quis regressar à banda, pois, afinal, ele foi o nosso
baterista inicial. Também o facto de se ter casado afastou-o da banda para se
dedicar à vida familiar.
P. - Foi depois da edição do single
que entrou para a banda o António Alho, vocalista, que se mantém até aos dias
de hoje, uma boa adaptação aos Casablanca?
João - Foi um acaso, pois inicialmente
seria para fazer parte de uma banda de covers em que estava incluído o Quim,
baterista inicial dos STS Paranoid, que nos havia contactado para o efeito. O
Alho também já fizera parte dessa banda (STS Paranoid), mas estava retirado do
meio. A partir da banda de covers foi convidado para integrar Casablanca, mas o
estilo vocal dele nada tinha a ver com os registos dos anteriores vocalistas.
Assim, foi necessário um período de adaptação, uma vez que passámos a escrever
as letras em inglês.
P. - Durante os anos 90, quando se
apregoava aos quatro ventos a tão propagada "morte" do heavy metal,
altura em que a maior parte das bandas do estilo decidiu cessar actividades,
vocês foram remando contra a maré com a edição do “Sands of Wasted Time” e do
“Another Day”, eram tempos difíceis para manter um projeto de heavy metal
ativo?
João - O heavy metal estava a mudar:
quando começámos, cada banda soava diferente. De repente, ou talvez não, todas
as bandas me pareciam igual com o mesmo som e a mesma apresentação. Mesmo hoje
em dia é difícil aparecer Casablanca em festivais, pois estes são vocacionados
para aquele determinado estilo, estilo esse em que não nos enquadramos. Ainda
assim, ainda conseguimos atuar na altura do “Sands of Wasted Time” e do
“Another Day”.
José - Foram tempos difíceis e hoje
também não se afiguram ser muito fáceis. Nessa altura mantivemo-nos fiéis ao
heavy metal e continuaremos nesse estilo.
P. - O álbum "Once upon a
Wasted Time" tem grande potencial, mas no entanto parece-me que a produção
do mesmo não ajudou muito, a que se deveu este facto?
Jorge
– Ingenuidade. Por incrível que possa parecer. Achar que há outras pessoas que
percebem mais de estúdio/mistura/masterização, no que diz respeito ao heavy
metal, pode ser um erro. E foi. Estamos sempre a aprender…
P. - Parece-me no entanto um bocado
estranho que tivessem decidido acabar com a banda exactamente quando o heavy
metal começou a "renascer das cinzas”, a que se deveu esta decisão?
João – Saturação/desilusão com o que se
estava a passar musicalmente... Falta de oportunidades para apresentar o nosso
trabalho.
P. - É então que aparecem em cena os
"Smoke on The Motor", projecto de covers. Sentiram que era uma melhor
solução para dar continuidade à vossa carreira?
João - Sempre gostámos de tocar e a via
para continuar a fazê-lo foi com os Smoke on The Motor, que já existiam em
simultâneo com Casablanca. Quem não gostasse de som mais pesado tinha a opção
Hard Rock, apesar dos termas escolhidos sofrerem o tratamento Casablanca.
Jorge
– Além disso, uma banda de versões ganha mais dinheiro numa atuação do que uma
banda jurássica portuguesa de heavy metal…
P. - 12 anos depois eis que voltam
ao activo com duas grandes actuações, em 2017, no RCA e o Stairway, sentiram
que foram dois concertos especiais para os Casablanca?
João - No primeiro, havia algum
nervosismo relativamente à aceitação dos nossos temas, mas a receção foi além
do esperado. As opiniões foram muito favoráveis, mesmo daqueles que nunca
tinham visto um concerto nosso. Aliás, na segunda atuação, compareceram muitos
dos que só nos viram e ouviram no RCA. No Stairway já estávamos mais à vontade
e isso notou-se no desempenho da banda em palco. Mais uma vez as reações foram
muito positivas.
P. - O que achas da falta de apoio
das rádios nacionais, especialmente programas de autor, na divulgação dos sons
nacionais de heavy metal?
Jorge
- Quando começámos, havia muitos programas a divulgar o heavy metal (nacional e
estrangeiro). Hoje, não. Há por aí algumas rádios online. O panorama só poderá
ser alterado, por paixão. Mas a paixão, neste caso, não dá dinheiro...
P. - É mais fácil manter o projecto
unido uma vez que 3 irmãos fazem parte da banda?
P. - Ponderam efectuar uma edição do
álbum "Tanto" junto com o single "Do Que Passou, Nada Ficou"
em cd?
João - Alguém já nos propôs isso, mas
não há nada em concreto.
P. – Jorge, uma das frases mais
marcantes que li numa entrevista tua foi: "o metal está-nos no
sangue"! Proferida na revista Rock Power em 1991, será que o heavy metal
ainda vos corre no sangue hoje em dia?
Jorge
- Não tenho feito análises ao sangue, recentemente, mas quer-me parecer que
sim. Compro cd’s de heavy metal, decoro a minha casa com adereços afins e
continuo a ser (como sempre me considerei) um guitarrista de heavy metal. No
entanto, é óbvio que a minha/nossa casta é única…
P. - Olhando para a edição de
"Pesadelo Real: Anthology 1985-1988" que reúne as gravações de
Valium, fica um sentimento especial ao ver estas músicas reunidas em cd?
João - Sim, pois faz voltar a ouvir
coisas que fazíamos e permite perceber a evolução da banda. Claro que hoje já
tocamos melhor, mas fica registado o empenho de todos nós nos temas gravados na
altura.
José - É sempre gratificante ter num
suporte digital e duradouro as músicas feitas nos primeiros anos da banda que
estavam em suporte analógico e que se poderiam perder com o passar dos anos.
P. - No entanto houve músicas como a
"Pandora" que ficaram fora desta edição, ficarão perdidas no tempo?
João - Algumas gravações não suportaram
as condições climatéricas…
Jorge
- Há coisas que, inevitavelmente, se perderam e se perderão. É a lei da vida.
P. - Chegaram a dar-vos o rótulo de
"vedetas", porque se recusaram a actuar em certos eventos, na
realidade, porque tal acontecia?
João - Não era uma questão de
vedetismo, mas as condições oferecidas não eram as pretendidas para quem se
esforçava tanto. Havia bandas a tocar gratuitamente, o que não entendíamos:
isso só levava a que os donos de bares ou outros espaços de espetáculo
baixassem os preços pagos às bandas. Também recusámos atuar quando éramos
contactados em cima da data do evento, porque entendemos que devemos
preparar-nos como deve ser para que o espetáculo não corra mal.
Jorge
- Dou-me bem com o rótulo de “vedeta”. Continuo a recusar propostas para
atuações. O panorama não mudou assim tanto. Cada vez há melhores condições
técnicas para as bandas atuarem. Mas cada vez há mais bandas a tocar de borla.
Nós não...
P. - Algumas considerações finais
para terminar a entrevista?
Jorge
- Obrigado pelo apoio. Vamos aguardar por aquilo que aí vem…
Votos de felicidades para o futuro e
muito obrigado pelo tempo dispensado!
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